A hanseníase, antigamente chamada de lepra, ainda é uma doença carregada de estigmas. Ela não leva à morte, mas pode causar deformidades e incapacidades físicas irreversíveis que deixam o paciente exposto a todo tipo de preconceito. Até a década de 1960, o governo do Estado de São Paulo realizava um isolamento compulsório para afastar os pacientes do restante da população. Famílias eram separadas e ficavam anos sem se ver por conta dessa política pública. Na Idade Média, os portadores de hanseníase eram obrigados a carregar um sino, para anunciar a própria presença.
Ao contrário da crença popular, a doença é pouco contagiosa e para contrai-la é necessário contato muito próximo e frequente com doentes sem tratamento. Sem contar que aproximadamente 95% da população possui uma resistência natural à enfermidade.
Diante desse cenário, era de se esperar que a doença estivesse praticamente extinta no país, correto? Não é o que ocorre. A hanseníase ainda faz muitas vítimas no Brasil (cerca de 30 mil casos anuais, o que faz o país e a Índia disputarem a liderança mundial em número de casos).
Para a dra. Sandra Durães, assessora do Departamento de Hanseníase da Sociedade Brasileira de Dermatologia, a hanseníase está entre as doenças mais negligenciadas, pois acomete, normalmente, as populações carentes e sem acesso a saneamento básico e educação formal, por exemplo.
“Outras doenças negligenciadas com maior incidência e maior potencial letal, como malária e a dengue, concorrem pelo orçamento dos programas de saúde pública. O Ministério da Saúde tem implementado ações como a implantação em nível nacional da poliquimioterapia (PQT), que cura a hanseníase, interrompe a transmissão e previne as deformidades. Mas ainda precisa melhorar bastante.”
Sintomas chaves
A hanseníase é uma doença infectocontagiosa transmitida por uma bactéria, e seu contágio se dá pelas secreções, ou seja, quando uma pessoa infectada respira muito próximo da outra e esta inala as partículas de secreção infectada, da mesma forma como ocorre com o resfriado.
Ainda segundo a médica, o período de incubação (tempo entre a infecção e o surgimento das manifestações clínicas) da hanseníase é longo e pode variar de três a sete anos, mas há relatos de períodos ainda maiores. A bactéria Mycobacterium leprae, responsável pela doença, costuma atacar os nervos periféricos e a pele. Entre as pessoas que adoecem, as manifestações clínicas variam muito conforme a resistência imunológica do paciente.
“Pacientes com maior resistência e diagnóstico precoce apresentam poucas lesões cutâneas, nenhum ou poucos nervos acometidos, pouca quantidade de bactérias (carga bacilar) e potencial nulo ou baixíssimo de infectar outras pessoas. Pacientes com menor resistência e diagnóstico mais tardio tendem a apresentar uma maior disseminação das lesões da pele, maior número de nervos atingidos, alta carga bacilar e são fonte potencial de contágio”, explica.
Entre os sintomas estão manchas brancas ou avermelhadas na pele e edema (inchaço) na face e nas orelhas. As manchas se tornam secas e perdem os pelos, mas sua principal característica é apresentarem uma diminuição da sensibilidade ao calor, ao frio e à dor.
Somando o tempo de surgimento das primeiras lesões, que é alto, e a demora dos pacientes em procurar ajuda, já que inicialmente o diagnóstico pode até ser confundido com outras doenças de pele, como micoses, a doença acaba progredindo e aumenta o risco de causar danos neurais, que é totalmente irreversível. Além disso, o médico, ao atender um paciente com hanseníase, muitas vezes nem considera a doença como possibilidade.
Tratando a hanseníase
O tratamento é baseado na carga bacilar do paciente. Durães diz que indivíduos com até cinco lesões fazem tratamento por seis meses utilizando dois antibióticos. Pacientes com seis ou mais lesões fazem 12 meses de tratamento utilizando três antibióticos. A boa notícia é que é uma infecção curável e com um evolução muito boa na maior parte dos casos.
“O indivíduo precisa ir até o posto de saúde mais próximo para receber as doses mensais supervisionadas, associadas a doses diárias autoadministradas em sua própria casa. A medicação é geralmente muito bem tolerada, com poucos efeitos colaterais que são monitorados nas consultas mensais com auxílio laboratorial, se necessário. É importante ressaltar que não é necessária nenhuma medida higiênica ou de isolamento domiciliar, como separação de talheres, mudança de quarto, etc. Isso porque após a primeira dose supervisionada o risco de contágio já cai drasticamente”, reforça a médica.
Como é um tratamento relativamente longo, é comum que pacientes o interrompam, o que aumenta ainda a probabilidade de complicações da doença.
“É muito importante que a população seja esclarecida sobre os principais sinais e sintomas da doença e procure assistência médica o mais rápido possível. Também são importantes as capacitações contínuas das equipes de saúde da família e demais profissionais de saúde da atenção básica, para que o o paciente tenha acesso ao diagnóstico precoce. Além destas, são fundamentais outras ações de controle, como o exame dos contactantes (familiares próximos ao paciente) e aplicação da vacina BCG, para melhorar a resposta imunológica dos contatos do paciente e interromper a cadeia de transmissão da doença”, destaca a médica.
Fonte: https://drauziovarella.com.br/noticias/por-que-nao-conseguimos-acabar-co...